Michelangelo aprendeu a ser arquitecto quando os códigos de competência e estabilidade do saber tiveram de ser rompidos para se encontrar a resposta necessária a cada problema concreto. Senhor de uma fé inabalável e municipalista convicto, reteve os antecedentes neoplatónicos instalados no espÃrito artÃstico florentino, a componente de valorização do papel do homem como ser e destinatário da arte e o sentido eminentemente cientÃfico do conhecimento ao serviço da democratização da vida na República. Enfrentou os novos desafios com a consciência das suas limitações, mas com determinação para vencer as dificuldades que se colocavam a um profissional com formação de origem noutras áreas das artes plásticas. É verdade que a elevada competência em desenho acompanhou uma larga cultura humanÃstica na sua fase de formação como pintor, primeiro, e principalmente como escultor. Mas, na época em que já homem feito, se viu envolvido nas tarefas de edificar, não estavam ainda clarificados os mecanismos do projecto arquitectónico e Michelangelo sentia-se algo ignorante em muitos aspectos técnicos fundamentais para um efectivo controlo dos sinais a conferir à produção do espaço real. Pensar sobre o objecto e destino da arte e aplicar essas noções ao exercÃcio da arquitectura, revelava a complexidade do trabalho colectivo, mal articulado com a sua tendência de artista de produção individual. Procuram-se os passos do artista criador abrindo o especÃfico campo da arquitectura como actividade intelectual consciente e crÃtica, ao lado da poesia, porque é a esse nÃvel que se colocam as questões principais da formação dos arquitectos. De facto, a grande crise económica e polÃtica que se abateu sobre as repúblicas urbanas do espaço italiano na transição para o século XVI, fez desmoronar todo o edifÃcio social em que assentavam as teorias da arte. Particularmente pôs em causa a crença na autoridade espiritual dos pontÃfices de Roma e com ela, a ideia da autoridade absoluta dos enunciados sobre a criação da beleza. Produziu uma tal perturbação em todas as formas de expressão artÃstica, que todo o sistema de regras e valores adquiridos ao longo do primeiro renascimento passou a constituir um mundo de dúvidas e perplexidades. Em Michelangelo, as ambiguidades de valor plástico insistentemente presentes nas opções de forma, bem como a livre interpretação dos modelos extraÃdos do vocabulário clássico são tentativas de construir uma sintaxe coerente com as novas condições do entendimento da arte. Colocou todas as suas capacidades e energias na procura constante de garantir a perfeição e o equilÃbrio, tendo consciência de que para isso teria de reinventar todos os dias, para todas as situações, uma outra ordem de fazer.